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sábado, 8 de novembro de 2008

QUANDO A PROFECIA FALHA!


O ano de 1999, o da virada do século, registrou um caso típico de messianismo milenarista no Norte do Paraná, tendo como protagonista o líder religioso conhecido como missionário Miranda Leal. No livro “A Última Igreja na Terra”, de sua autoria, editado em março de 1988, ele conta que recebeu uma mensagem de Deus avisando-o para pregar o evangelho, fazer curas, milagres e fundar uma igreja. Afirma que, quando estava decepcionado com outras denominações evangélicas das quais já havia participado, “a voz” teria lhe ordenado para que iniciasse uma denominação religiosa (o próprio nome da igreja ter-lhe-ia sido ditado pela voz divina): "foi o Espírito Santo que me enviou para Maringá - PR" – ressalta em uma das entrevistas que concedeu a jornalistas. Foi nesta cidade, portanto, que em 13 de agosto de 1974, fundou o primeiro templo num prédio com uma única porta na Avenida Brasil, na Vila Operária.
Nos anos de 1980, iniciou-se a construção de um grande templo, na região central da cidade, edificado em formato de um grande navio, conhecido pelos líderes e fiéis como "arca da salvação", onde funciona atualmente a “sede mundial”. O movimento cresceu contando com a intensa participação dos fiéis que sempre contribuiram com o dízimo para manter as despesas dos pastores e das atividades de evangelização feitas através do rádio e TV.
O missionário sempre misturou carisma com forte autoritarismo, atribuindo a si mesmo poderes de cura de doenças e capacidade para exorcizar o mal. De fato, utilizando-se da leitura e interpretação de textos bíblicos, Leal sempre fez questão de deixar transparecer que também fora escolhido por Deus para realizar uma missão salvacionista para o futuro advento apocalíptico. Foi em 1980 que supostamente lhe teria vindo o primeiro sinal de Deus: "Quando eu estava realizando uma campanha evangelística em Mato Grosso, em 1980, Jesus me falou pela primeira vez: voltarei à terra antes que termine este milênio" – afirmou ele em depoimento dado a jornalistas em Maringá, agosto de 1999. A confirmação final, entretanto, lhe teria sido dada através de uma “revelação” recebida diretamente do próprio Deus a respeito desta vinda de Jesus Cristo à Terra para instaurar um “paraíso messiânico”, quando ele, Leal, viajou com um grupo de 12 pastores até Jerusalém, na Terra Santa. O recebimento de tal “revelação” dava, inclusive, detalhes a respeito da época em que o advento apocalíptico iria ocorrer: na última semana do ano de 1999. A partir do segundo semestre daquele ano, Leal passou a ser notícia nos telejornais em rede estadual e também na mídia impressa de toda a região.
Como já ocorrera com outros movimentos messiânicos, registrados pela história, os fiéis dessa igreja, acreditando piamente na “profecia” propagada pelo seu líder, chegaram a vender os seus bens; fizeram doação dos mesmos à igreja; pais retiraram os seus filhos da escola; abandonaram o trabalho, aguardando aquilo que seria o “apocalipse”. Na grande concentração que realizou no mês de abril de 1999, Leal fez questão de ressaltar que aquele seria o último ajuntamento de todas as suas igrejas antes do encontro final com Jesus Cristo, que se daria no final daquele ano.. Pediu a todos que se empenhassem mais ainda no trabalho de evangelização, procurando salvar o maior número possível de pessoas. Por isso, fez grande apelo para que ofertassem com maior generosidade a fim de que houvesse mais recursos para a igreja enviar pastores e missionários a diversas cidades brasileiras. Na oferta que levantou, mais de vinte mil pessoas contribuíram, sendo que algumas chegaram a doar veículos e imóveis.
Na medida em que se aproximava a data prevista no calendário, Leal passou a sofrer duras críticas por parte de outros líderes religiosos que o acusavam de “falso profeta”, e também de alguns pastores pertencentes ao seu próprio movimento que, discordando de seu líder maior, romperam com a igreja formando sua própria denominação. Sob pressão, na semana que antecedia o anunciado, Leal deixou repentinamente o Brasil sem que a maioria dos fiéis o soubessem, indo para a Inglaterra, alegando aos demais líderes que com ele conviviam, que precisava cuidar de problemas de saúde.
Mesmo que um tanto desconfiados, fiéis chegaram a se concentrar em Maringá nos últimos dias de dezembro daquele ano, enquanto que outros aguardaram o possível advento em suas próprias cidades. Vejamos o depoimento de um pastor da referida igreja: “alguns não tiveram tanta convicção, mas a maioria acreditou e passou a se preparar para o encontro com Cristo. Muitos venderam imóveis e se desfizeram de outros bens materiais; tiraram os filhos da escola; abandonaram emprego; doaram bens à igreja para ajudar na evangelização. Quase todos os jovens da igreja se casaram, em diferentes lugares do Brasil: queriam provar como era a vida de casado ... [risos] Muitos fizeram isto com 14, 15 ou 16 anos de idade, pois a igreja Só o Senhor é Deus não exige o casamento no civil, o que vale é o casamento religioso. Quando chegamos aos dias previstos, os pastores colocaram as igrejas para orar e se consagrar em jejum. As igrejas fizeram vigílias... Em alguns lugares a polícia ficou de prontidão nas proximidades dos templos, temendo que alguma tragédia pudesse ocorrer.”
Após a frustração da “profecia”, ocorreram diversas reações, conforme relata um dos fiéis: foi uma decepção geral. Quando se atingiu o primeiro minuto do ano seguinte (2000), muitos deixaram a igreja cabisbaixos, tendo que enfrentar a zombaria de vizinhos e pessoas nas ruas; outros se revoltaram contra o Missionário que nem estava no Brasil, pois ficamos sabendo depois que antes da data prevista já teria viajado para a Inglaterra, alegando que precisava fazer uma cirurgia do coração por ordem médica. Alguns fiéis a partir daí se transferiram para outras igrejas; outros abandonaram o caminho do Senhor; pastores também saíram e fundaram novas denominações”.
Escândalos também vieram a público: ao deixar o Brasil, Leal havia feito saques das contas bancárias da igreja, que somavam mais de três milhões e meio de reais, além de vender veículos e outros bens que haviam sido adquiridos com recursos provenientes dos dízimos e ofertas entregues pelos fiéis com a finalidade maior de ajudar na expansão da mensagem apocalíptica, bens estes que na verdade estavam registrados no nome do “missionário” e de sua família.
Depois deste episódio, Miranda Leal demorou cerca de dois meses para retornar ao Brasil, período este em que, por telefone, continuou mantendo contato com uma parte dos pastores e fiéis que ainda continuavam a dar-lhe crédito e receber suas orientações. Neste ínterim, também, os pastores se reuniram em Maringá e, em votação, a maioria decidiu pelo afastamento de Leal da presidência da igreja, nomeando nova diretoria. Finalmente, quando reapareceu em Maringá, ao falar à imprensa (Jornal Gazeta do Povo, 28/02/2000. p.10) sobre o referido episódio, realçou seu caráter de líder messiânico: “estou me preparando para voltar e a região tem conhecimento das multidões que reunia em minhas pregações. Eles vinham primeiro por causa de Jesus, e depois porque era o Miranda Leal que estava pregando.”
Rejeitado por parte dos seus fiéis, fundou uma nova igreja. Atualmente, muitas de suas ovelhas já se juntaram novamente a ele Continua divulgando a sua nova igreja em vários lugares do Brasil. Em Londrina e Maringá, mantém programas de rádio e TV, além de realizar suas campanhas de curas e evangelismo. Em entrevista concedida a um jornal da cidade de Londrina (Jornal Folha de Londrina 27/07/2001. p.2), declarou: “Minha igreja (Jerusalém de Deus) está crescendo em todo o país e pretendo estabelecer sua sede em Maringá, como fiz com a outra igreja".
As explicações que procurou dar para o não cumprimento da profecia, bem como a liderança que ainda continua a exercer sobre grande parte dos fiéis, retratam bem a força do mito que configura o imaginário religioso no Brasil em torno de líderes carismáticos (...)

Leia mais sobre o assunto no livro: “Magia, Prosperidade e Messianismo: Representações do “sagrado selvagem” no Neopentecostalismo Brasileiro”. Autor: Wander de Lara Proença (lançamento)

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